sexta-feira, 19 de março de 2010

Democracia-Cristã


Saio do trabalho, entornando-me pelas ruas como se fosse um líquido. Reparo num pobrezinho vestido com pústulas e uma gabardine. Tenho pena dele e levo-o para casa. Queria lavá-lo mas ele detesta tomar banho e foge. Enfia-se na despensa e desata a comer-me tudo. Já estou um bocado arrependido de o ter trazido para casa, mas agora afeiçoei-me a ele e não o consigo abandonar. Está-me sempre a pedir dinheiro mas eu nunca lhe dou porque tenho medo que ele gaste tudo em vinho. Em vez disso, dou-lhe umas carcaças com manteiga. O meu pobrezinho fica todo contente e começa logo a babar-se. Mas o que ele prefere mesmo é comer os restos do lixo. Digo-lhe que o lixo não é uma alimentação apropriada para um pobre de casa. Com o meu borrifador de passar a ferro borrifo o meu pobre para ele aprender. Dou-lhe um papo-seco com margarina e um bocado de leite em pó. Ele devora tudo muito depressa e suja-me a alcatifa toda. Dou-lhe outra borrifadela. O meu pobre é muito esperto e já está a aprender.
Mas o meu pobre anda triste. Acho que tem saudades dos contentores de lixo da rua e de dormir em cima de cartões de papel. Fico com pena dele e, apesar de ser contra todos os meus princípios, dou-lhe um bocadinho de lixo. O meu pobrezinho fica todo contente, devorando o lixo de um só trago. Digo-lhe que é uma vez sem exemplo.
À noite, quando estou no sofá a ver televisão, faço festinhas no meu pobre que se começa logo a babar. Eu acho que um pobrezinho não deve ficar sem um nome. Por isso decidi chamá-lo de Gabardine e ele já responde ao nome. Já consegui ensinar o Gabardine a fazer-me pequenos recados como ir buscar as pantufas e trazer-me o comando. Gosto muito do meu Gabardine.
Um dia chego a casa e não encontro o Gabardine. Corro depressa à garrafeira: nem uma única garrafa de vinho. Vou ao Centro de Emprego. Vejo um desempregado muito querido enfiado no seu casaco de cabedal fora de moda. Tenho pena dele e levo-o para casa.

1 comentário:

Fairy Star disse...

peço desculpa mas não percebi a metáfora :S
mas gosto da reflexão.