terça-feira, 13 de abril de 2010

Os filhos de Vasco Granja


Não vos vou falar acerca do Cão dos Ornatos, provavelmente o melhor álbum Pop feito em Portugal nos últimos oitocentos e cinquenta anos. Quero apenas dizer-vos qualquer coisa sobre os últimos 26 segundos do álbum. De cada vez que ouço esta música (ouvir a partir dos 45 segundos), sinto-me triste por me terem arrancado a minha infância, as bombocas, o Ulisses 31, a inocência, o Zé Gato, o Citroen Diane a cair de podre do meu pai, os Soldados da Fortuna, a nota de 20 escudos que tirei às escondidas da carteira da minha mãe, as azedas amarelas, os cigarros de papel, o chão de alcatifa azul da minha casa, os meus amigos a gozarem comigo por eu ter que beijar uma rapariga num teatro da escola, as férias grandes, as apalpadelas às miúdas no jogo do quarto escuro, o Duarte e Companhia, a ingenuidade, o rafeiro do meu avô chamado Napoleão, as corridas de caricas, os Heróis de Shaolin, o bate-pé, o empreendedorismo com que organizávamos campeonatos de futebol complicadíssimos (cada um entrando com não sei quantas pastilhas gorila, que a equipa vencedora arrecadava), o ócio, os Afonsinhos do Condado, os io-iôs que nunca consegui jogar, o load aspas aspas e a merda do jogo que mesmo no fim não entrava, o Belle e o Sebastião, a puta das urtigas a queimarem-me a pele, o Tom Sawyer, os mil e um planos nunca concretizados para construirmos uma casa na árvore, as guerras de almofadas com o meu primo, acordar muito cedo a um sábado para passar a manhã a ver desenhos animados e a comer cereais, os sugos, o relógio vermelho digital que deixei esquecido num bebedouro e o espanto naif por algum tempo depois já não estar lá, a Samantha Fox, a bicicleta em segunda mão que o meu pai me comprou e que eu alugava nas férias de verão a uma rapariga em troca de um beijo na boca, a troca de cromos, as três covinhas, o sabor dos macacos do nariz, a Sabrina, as reguadas da directora com a menina dos seis olhinhos por termos sido apanhados a ver uma revista pornográfica e os meus amigos a explicarem-me que era assim que nasciam os filhos e eu a jurar a pés juntos que os meus pais eram incapazes de fazer essas porcarias, a Ana Faria e os Queijinhos Frescos.
Quando eu morrer não quero ninguém de preto, nem preces religiosas pela salvação da minha alma. Quando eu morrer quero apenas que todos os meus amigos cantem essa música. Final de Emissão.

4 comentários:

Xuxi disse...

tivemos a melhor infancia do mundo. as k7s tdk, os tenis sanjo, a bota botilde e o limao, as dunas..nao vou continuar, porque o teu post diz tudo.
Ornatos Violeta sim!! Uma das melhores bandas nacionais!!

o homem do estupefacto amarelo disse...

Era um tempo lindo e irrepetível em que os pedófilos adoravam crianças e as crianças adoravam pedófilos, por causa da bota botilde.

Little Bastard disse...

já reparaste que tens sempre uma maneira paneleira de falar de coisas com as quais as pessoas normais até se identificam?

Para além disso, bom post.

Ana disse...

=,)