terça-feira, 17 de agosto de 2010

Os Goebbels da Vida Saudável


Quinta-feira passada entrou em vigor a lei que impõe um teor máximo de 1,4 gramas de sal por 100 gramas de pão. Em si mesmo, o assunto não deveria motivar nem sequer 1,4% de um post. Mas enquanto caso particular de uma das características mais representativas da modernidade - o fascismo higiénico - julgo que valerá a pena desperdiçar algumas palavras sobre o assunto.

Fascismo higiénico consiste na intromissão abusiva do Estado num hábito pessoal não saudável para o próprio. Na minha opinião, o Estado deve reservar a sua interferência apenas às situações em que o comportamento de alguém prejudica manifestamente outrem (por exemplo, proibindo e sancionado a condução sob efeito de álcool). Nas situações em que um cidadão apenas faz mal a si próprio (fumando, bebendo, drogando-se, levando uma vida sedentária, ingerindo muito sal, etc.), o Estado deve abster-se de qualquer proibição, limitando-se apenas a informar claramente os cidadãos dos riscos associados a esses comportamentos. A partir daí, os cidadãos devem ter o direito de exercer livremente as suas escolhas, mesmo que possam ter um potencial auto-destrutivo. O desrespeito dessa margem de liberdade por parte do Estado é de um paternalismo inaceitável: cidadãos adultos não devem ser tratados como criancinhas irresponsáveis que não sabem conduzir autonomamente as suas vidas, precisando que o papá Estado as conduza por eles.

Os nazis da saúde contra-argumentam defendendo que esses supostos hábitos estritamente pessoais têm repercussões para os contribuintes (pelas despesas acrescidas que acarretam no Sistema Nacional de Saúde). Estes autênticos Goebbels da vida saudável acrescentam que se as pessoas querem ter a liberdade de colocar em risco a própria saúde, devem então assumir a totalidade dos custos financeiros do tratamento de uma eventual doença associada a esses comportamentos de risco. Dedicarei o resto desta inútil posta a tentar refutar esta posição.

Em primeiro lugar, o argumento é muitas vezes hipócrita, porque muitos dos seus defensores têm eles próprios alguns hábitos pessoais menos saudáveis (sedentários, por exemplo), não achando piada nenhuma que, em caso de doença, fossem eles próprios os visados pela sua implacável proposta.

Em segundo lugar, mesmo que o fascista higiénico tenha um estilo de vida absolutamente monástico (não bebe, não fuma, não toma café, não ingere sal e açúcar e gorduras, não come fast-food nem bebe refrigerantes, pratica regularmente exercício físico e masturba-se sempre com um preservativo para não sujar o sofá novo comprado na "Área"), a sua posição é, ainda assim, intrinsecamente errada pelas seguintes razões: (a) mesmo que uma pessoa possa ter tido alguma responsabilidade pelo desenvolvimento da sua doença, seria de uma crueldade monstruosa recusar-lhe solidariedade e compaixão num momento de tanto sofrimento e vulnerabilidade; (b) o direito dos contribuintes a que o dinheiro dos seus impostos não seja desperdiçado no tratamento de doenças evitáveis é contra-balançado pelo direito ainda maior das pessoas levarem uma vida ao máximo livre do policiamento e intromissão constante de um Estado paternalista. É que - como a história do século XX repetidamente se encarregou de o demonstrar - muito poucas coisas fazem pior à saúde do que o totalitarismo.

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