quarta-feira, 22 de junho de 2011

Esgoto a céu aberto

Hoje, dia da tomada de posse do "Governo mais importante dos últimos 20 anos", as televisões estiveram 'on fire'.
Depois da orgia de directos disparatados das últimas semanas, hoje atingimos o zénite da idiotice.
Entre os directos "estamos à porta" sem nada para dizer a não ser encher chouriços com banalidades e idiotices, tivemos alguns episódios de antologia.
O grande destaque ao facto de Mota Soares ter chegado de mota, e não de Soares. Tchiii, foi um fartote de comentários, highlights nos noticiários. O facto de a caneta pipi deste senhor ter falhado, outro grande acontecimento da história da vida política portuguesa.
O inenarrável e obviamente dopado Bernardo Ferrão, da SIC, perguntando à Teresa Caeiro por que razão tinha escolhido um casaco cor de salmão, como se estivesse a reportar da passadeira dos óscares. O mesmo Ferrão que saudou Assunção Cristas, à saída do carro, recordando aos espectadores que ela anda com um problema numa perna e disparou, todo lampeiro "então, sente-se melhor?".
Decidiram, por alguma razão, que era muito importante falar com o marido da mesma Assunção Cristas. Qual a pergunta? Se estava orgulhoso, primeiro, na eventualidade de ele dizer que não. E, logo de seguida, de rajada, se estava preparado para ter mais trabalho em casa.
Genial e, como tudo até aqui, extremamente relevante.
Depois, uma responsável política falava ao telemóvel com a empregada, combinando as compras e o jantar, e os jornalistas ali, de gravador e microfone em riste, tendo mesmo uma televisão o desplante de legendar a conversa para os seus mentecaptos espectadores ficarem bem informados. Creio que o jantar dessa noite seria, curiosamente, salmão.

A Teggy, quando questionada sobre o casaco salmão, obviamente, mandou-o cagar, ainda que educadamente. É pena que não haja mais gente a fazer o mesmo. A dizer, apenas: "mas você ouve-se a si próprio? Você pensou no que acaba de perguntar?".

Isto começou devagarinho, há uns anos. Depois apareceram uns rapazotes que, na ânsia de se destacarem perante os seus idiotas chefes, foram carregando no disparate. No "colorido", como se diz na gíria dos tempos modernos do jornalismo televisivo português. Mas, tal como o Big Brother e o Big Show Sic foram perniciosos não apenas pelo programa em si mas pela caixa de pandora que abriram, o nível foi descendo. Toda a gente foi alinhando por baixo. De repente, vemos o Castelo Branco no meio da selva e já não choca. Vemos os repoterzecos em cima da "mota da sic", espetando estupidamente o microfone no vidro obviamente fechado do vencedor das eleições, e não choca a parvoíce de tudo aquilo. Tanto dinheiro gasto em directos, tanta energia desperdiçada em chegar lá bem à frente para fazer a pergunta, para depois fazer só perguntas de merda. O que interessa é estar, perguntar, ter o protagonismo. A substância fica por terra, e nós, lentamente testemunhas deste descer da fasquia, nem nos apercebemos. O Jornal de Notícias foi ao cúmulo de entrevistar as tias-avós, ou que raio eram, do novo ministro das Finanças.
Like I give a fuck...

O jornalismo político português, sobretudo o televisivo, é um esgoto a céu aberto. Um paraíso de vacuidade e fait-divers. Não há quem se aperceba e finalmente tente reverter este processo de escandalosa decadência?

Nós, os espectadores, temos o poder do Onofre, como dizia o Zé Mário Branco. O poder de desligar o canal, com o botão On/Off.

Façamo-lo, pela nossa saúde mental.

PS - Ah, é verdade, no meio de todos estes grandes acontecimentos, duas notas de rodapé. Foi eleita a primeira mulher presidenta do Parlamento e o novo Governo tomou posse.

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