segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Qual é mão esquerda, qual é a mão direita?
Estou outra vez com o sectarismo escangalhado. Lá vou eu malhar (à Susto e Silva) no meu BE, desta vez não para elogiar o PCP (que incorre na mesma demagogia) mas, perdoem-me os mais sensíveis a declarações heréticas, para me pôr do lado do PS e do PSD. Estou a referir-me ao dilema semântico (de uma profundidade rara no mundo da política): "suspender o modelo ou não suspender, eis a questão", em que os primeiros defendem a "suspensão" e os segundos a "não suspensão". É claro que o PS e o PSD não são se devem armar em virgens ofendidas nesta matéria, porque fizeram muita merda. O PS, porque no governo anterior foi arrogante na sua imposição unilateral de um modelo de avaliação, sem ouvir os professores e sem envolvê-los no processo, comprando, pelo contrário, uma guerra estúpida, autoritária e suicida contra toda uma classe profissional, o que constitui uma lição exemplar de como não se deve fazer uma mudança organizacional. É claro também que o PSD é um partido em quem ninguém pode confiar (e não é à toa que os seus militantes não confiam sequer uns nos outros), que no seu programa eleitoral prometeu suspender o modelo e agora é a favor do contrário. Mas, como diria o Pacheco Pereira, não é essa a questão essencial, que é afinal a seguinte: o modelo de avaliação de desempenho, tal como foi implementado pelo PS, faz sentido? Na minha opinião, nos seus aspectos essenciais (pois há pormenores que precisam de ser afinados), o modelo faz todo o sentido pelas seguintes razões: (1) acaba com a vergonha da progressão automática de todos os professores (independentemente do mérito de cada um); (2) acaba com uma situação de desigualdade no universo dos funcionários públicos, já que, ao contrário do que sucedia com os professores, a maioria dos outros profissionais do sector público já era sujeita a avaliação de desempenho (SIADAP); (3) não é uma mera formalidade, mas tem um impacto efectivo na progressão na carreira, recompensando os melhores; (4) as quotas fazem sentido, porque é impossível toda a gente ser excelente: como em qualquer outra profissão, há os muito bons, os bons, os médios, os maus e os muito maus, e a ausência de quotas conduz invariavelmente à inflação artificial do desempenho de muitos, nivelando na avaliação o que não está nivelado no desempenho efectivo. Além do mais, na minha opinião, a posição do BE (e do PCP) de defender a suspensão do modelo é contraditória com os próprios interesses da esquerda, na medida em que contribui para a ineficácia do serviço público da educação (quando o peso e qualidade dos serviços públicos constituem, e bem, uma das principais bandeiras da esquerda). Com efeito, apesar da ideia de avaliação de desempenho ser de facto originária da direita liberal, julgo que a esquerda deve incorporá-la sem preconceitos ideológicos, de forma a melhorar a eficácia dos serviços públicos, e, consequentemente, melhor resistir à pressão do sector privado concorrencial, que tenta por todos os meios o seu desmantelamento progressivo. Com efeito, a avaliação de desempenho é um instrumento de gestão orientado para resultados, que permite melhorar a produtividade de uma organização. Se a esquerda continuar com o seu corporativismo mesquinho de manter a todo o custo os direitos adquiridos pelos professores (mesmo que eles sejam injustos e que produzam enormes desperdícios), continuará a contribuir generosamente para a agenda da direita: privatizar os serviços públicos com o pretexto de serem considerados pesados e ineficientes, satisfazendo assim os interesses económicos instalados na área à custa do interesse público. Porque só um serviço público de educação, universal, gratuito e eficiente, poderá quebrar o ciclo de reprodução geracional da pobreza, possibilitando a mobilidade social dos mais desfavorecidos. Qual é a mão esquerda, qual é a mão direita?
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6 comentários:
Nunca ouvi nenhum professor recusar a avaliação. Uns (por vergonha) e outros (porque genuinamente assim pensam) afirmam-se a favor da avaliação. Logo, dizer que quem é contra este sistema é favorável a que os professores não sejam avaliados não me parece ser um bom começo de conversa. E ao longo dos últimos anos muitas conversas começaram tristemente assim.
O modelo actual é das coisas mais imbecis com que tomei contacto.
Burocrático. Formal. Trabalhoso. Inútil (crendo que, ainda que de modo muitíssimo residual, houvesse o objectivo de dotar o ensino de maior qualidade). Não presta Enche chouriços. Gasta o tempo e a paciência de quem a ele se sujeita. Não consegue aferir com o mínimo de rigor os méritos pedagógicos seja de quem for.
Rezo aos santos para que quando tiver filhos em idade escolar o sistema de avaliação dos professores tenha sido totalmente reformado. Caso contrário, muito lamentarei - contra as minhas convicções - não ter dinheiro para os por a estudar no ensino privado
E devo dizer que, nesta matéria, não me revejo em nenhum partido. Aliás, nem tenho sequer opinião formada sobre os traços genéricos daquilo que deveria ser a avaliação dos professores.
Não é fácil avaliar. Em nenhum país ou sector.
Quase todas as profissões contêm vicissitudes geradoras de dificuldades na apreciação das performances de cada trabalhador.
A avaliação de desempenho deve por isso ser abandonada? Não. Deve ser pensada e abertamente debatida com os professores e as escolas. De outro modo, teremos muitos mais anos perdidos.
E muitos anos correspondem a muitas gerações de alunos.
Tens toda a razão, o modelo de avaliação em vigor precisa de ser afinado em muitos aspectos. Para mim, a melhor forma de simplificar o modelo e torná-lo mais rigoroso seria utilizar como principal critério de avaliação de desempenho de um professor as notas dos seus alunos (em exames nacionais avaliados por outros professores), com a devida ponderação de outros factores que influenciam igualmente o sucesso escolar, como as habilitações escolares/classe social dos pais.
É óbvio que não querem ser avaliados. Eu também não quero. É compreensível. Por princípio, sou a favor da avaliação, mas confesso que não faço a mais pequena ideia como deverá ser (e Amarelo, deixa-te de merdas como "habilitações escolares/classe social dos pais").
E é também mentira que a esquerda defenda ou tenha defendido a qualidade dos serviços públicos. Limita-se a dizer que é preciso meios, aumentos, etc, para que haja bons serviços. É uma visão retrógrada. São precisos bons técnicos (inclusivamente ao nível dos ministérios) para levar as reformas a fundo, não de políticos.
Por outro lado, é absurdo tanto empenho do Governo em avaliar os professores, quando no que realmente interessa, a educação dos putos, é tudo uma farsa para melhorar estatísticas.
Para que conste, para o bem e para o mal, acho que a nova ministra vai fazer bom trabalho.
Lavre-se em acta.
Eu por acaso acho que é apenas decorativa, mas enfim. Dê-se uma oportunidade à senhora.
Caro Bastard, se se utilizar (como eu proponho) como principal critério de avaliação as notas dos alunos, não é justo equiparar (sem qualquer ponderação) os resultados obtidos por professores de uma escola da Musgueira com os seus colegas de uma escola do Restelo.
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