terça-feira, 12 de janeiro de 2010
O Disco da Minha Vida VIII
Em primeiro lugar, uma declaração de interesses: desde que conheci a sério a sua música, há coisa de quatro ou cinco anos, que vivo obcecado com Serge Gainsbourg. Comprei os discos todos, li livros, ouvi versões. Acho-o provavelmente o maior génio musical do século XX. A partir daqui, o resto deve ser lido com o necessário desconto, tendo em atenção o que acabei de dizer.
Quem o conhece, de todo, conhece sobretudo o "Je t'aime...moi non plus", música absolutamente fabulosa em todos os sentidos, que simbolizou para a geração dos nossos pais o início tímido da transgressão sexual.
Em 1970, Gainsbourg já era a maior figura musical de França. No activo desde o final dos anos 50, com vários discos no currículo, começava a ganhar a aura de freak genial, mudando de estilos musicais sempre com grande mestria e um sentido pop inigualável, sustentado nos seus profundos conhecimentos de jazz e de arranjos clássicos. E, claro, havia sido o companheiro de Brigite Bardot, o monstro misógeno que conquistara a bela mais desejada do mundo.
Em 1970, compra um Rolls-Royce. Gainsbourg, o excêntrico, não conduzia nem tinha chauffeur. Para se deslocar, com o auxílio de outros, tinha um bem mais prosaico Citroen 2 cavalos. O Rolls, esse, ficava na garagem, e era para lá que ele se dirigia com amigos, para beber, fumar e conversar. Nas suas palavras, "o Rolls era um bom carro. Serviu-me de cinzeiro durante dez anos".
Estava também apaixonado. Quem conhece bem o seu trabalho, sabe que nunca produziu música melhor do que quando esteve realmente enamorado. Primeiro BB, em 1970 Jane Birkin, a jovem ninfeta inglesa que ilustra a capa de "Historie de Melody Nelson".
Juntamente com Jean-Claude Vannier, que fez os arranjos dos seus melhores discos, Serge trabalhava naquele que não era apenas o mais ambicioso trabalho da sua carreira, viria a ser o melhor.
É um disco conceptual que se ouve como se não o fosse. Ode ao amor (à quase pedofilia?) entre uma jovem de 15 anos e o seu encontro iniciático com um homem mais velho que com ela se fascina, o disco tem apenas sete faixas e pouco mais de meia hora de duração. Tal como outro dos meus grandes favoritos "L'Homme a téte de chou" - também ele conceptual - as melodias vêm e vão, encontram-se mais tarde noutras faixas, completam-se. No fim, ficamos com um documento de um génio na mais absoluta posse de todas as suas faculdades: rock, ié-ié, jazz, clássico, e um sentido incrívelmente sensual nos arranjos e na composição, enfim, tudo com as letras, inigualáveis, do monstro Gainsbourg. Ele que, até ao fim da sua vida, fez discos de todos os géneros, tem em "Histoire de Melody Nelson" a súmula de todo o seu trabalho. Tirando o reggae, que explorou em vários discos mais tarde, tudo o que alguma vez fez tem lugar neste disco, de uma forma absolutamente coerente.
Sei que, provavelmente, para quem não conhece o disco ou o autor, não estarei a explicar muito bem que raio de disco é. Estou a ouvi-lo e, como sempre acontece, estou hipnotizado. Não agarra ao início, mas ganha com cada audição. E com um copo de bom vinho ou uma ervinha, e apenas olhar para o tecto a ouvir cada nota, cada arranjo, cada pormenor, é a experiência que mostra tudo o que a boa música pode ser.
Para quem acha que Bowie é, de facto, o camaleão, Gainsbourg mostra o que é a verdadeira reinvenção. Até ao momento em que, criticado por ter feito uma versão reggae do hino francês, comprou em leilão o manuscrito da letra do hino, como que dizendo que, a partir daquele momento, podia fazer o que quisesse com ele.
Por todos os motivos, é na minha opinião o melhor disco "pop" alguma vez feito. Porque pop pode ser negro, profundo, elegante e consequente.
Agora, com a vossa licença, vou ali carregar de novo no play.
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4 comentários:
Porque é que os monhés têm as lojas todas de telemóveis? Até têm a PT.
Isto é tipo quê? Rock?
Mete guitarrada e tal?
Como o fanático do Bastard comprou, de uma só vez, uma caixa com a obra completa do Gainsbourg, ficando com o genial "historie de melody nelson" repetido, tive a sorte e o privilégio do Bastard me ter oferecido o álbum repetido. Grande disco, sim senhor.
Para que os homens saibam:
Este Homem - o SG - é um Homem!
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