terça-feira, 30 de agosto de 2005

O Ímpio Inspector Rôla: a Génese

Quarta-feira. Três e meia da manhã. Tokyo. Cais do Sodré. "A carga pronta e metida nos contentores..."
A fauna é a do costume, duas ou três putas desdentadas, meia dúzia de marinheiros alcoolizados, alguma malta jovem, eu e os empregados.

No balcão sorvo mais um gole do meu quinto ou sexto vodka tónico, vodka é favor... daquele veneno que eles lá colocam nas garrafas de Absolut. Acabo o meu terceiro maço de Filtro da noite. Começo a pender para a contemplação, o meio copo de vodka, o balcão, o cinzeiro cheio de beatas, o sentido da vida, a mortalidade, a mortandela com azeitonas, quem sou eu, o de onde venho e o para onde vou.

O de onde venho é o mais facil, comecemos p'los anos quarenta do século passado.

Campo de férias de Auschwitz, Polónia. Hans Röller, meu pai é cozinheiro na messe de oficiais do campo e grande amigo do Dr. Josef Mengele, carinhosamente baptizado pelos convidados judaícos do campo, de "O Anjo da Morte". Durante o dia o senhor meu pai dedicava-se a preparar fabulosas iguarias para os oficiais nazis enquanto que o senhor doutor tratava da saúde aos convidados.

À noite após o recolher, o meu pai, o senhor doutor e vários proeminentes arianos reuniam-se na Confraria do Padeiro Nacional Socialista, onde tentavam preparar o melhor pão com chouriço de Mafra do III Reich, chegando até receber verdadeiros chouriços lusos que eram enviados de Portugal junto com os carregamentos clandestinos de urânio das minas da Urgeiriça. Com os melhores cumprimentos Senhor Professor Doutor António de Oliveira Salazar.

Esses pães eram depois cozidos nos belos fornos de Auschwitz, o que lhes dava um travo bastante "kosher". Em 43 chegaram mesmo a vencer o prémio de "Melhor Barraquinha de Comes e Bebes" no grande arraial de Verão das SS em Varsóvia.

Em quarenta e cinco chegam os russos e obrigam a encerrar o campo, devido a falta de higiene e outras questões burocráticas.

O Dr. Mengele parte para a Argentina onde tenta abrir a primeira cadeia de clínicas de beleza do país.

Hans Röller, parte para o Brasil, muda o nome para Aniceto Rôla abre uma banca de pretzels junto à segunda árvore mais alta da aldeia de Itaúpitanguianara no meio da floresta amazónica. O negócio corre muito bem até meados dos anos cinquenta quando uma epidemia de cólera devasta os nativos e nem um cliente sobra. Os índios eram grandes apreciadores de pretzels.

Frustrado com o acontecido, Aniceto Rôla dedica o resto da década de cinquenta e a maior parte da de sessenta em busca de si próprio, mas como só encontra índios, dizima todos os que se atravessam no seu caminho. Cerca de doze, porque a Amazónia é grande e Aniceto Rôla não tem grande sentido de orientação tendo passado mais de uma década a andar às voltas debaixo da mesma árvore.

Até que um belo dia, se cruza no seu caminho uma bela jovem índia de nome impronunciável da tribo dos Cacimba de Cima.

Apaixonam-se à primeira vista e fazem-me. Em 1967 nasço. Tudo corre bem até finais de 1973 à beira daquela bela árvore, quando Aniceto já parco de visão, confunde minha mãe com o seu eu próprio que há muito procurava e tomado de raiva assassina-o à catanada. Quando tomado da consciência de que era a minha mãe que tinha assasinado e afinal o seu eu próprio ainda não se tinha digando a aparecer, decide mudar de vida, compra uns óculos, torna-se pastor evangélico nas favelas do Rio e envia-me para Portugal para estudar.

Sou enviado dentro de um envelope por correio marítimo. Chego a Portugal a 24 de Abril de 1974, devido a problemas com o peso do envelope, fico retido de 24 para 25 de Abril na alfândega do porto de Lisboa.

Na manhã de 25 dá-se a Revolução, o povo vai para a rua e esquecem-se de mim, ele é o Verão quente de 75, a entrada de Portugal na União Europeia, a queda da União Soviética tudo dentro do envelope, que não era almofadado. Durante vários anos alimentei-me da cola que selava meu pequeno sobrescrito, quando o espaço se tornou demasiado exíguo para as minhas dimensões arranjei uma pequena caixa de cartão abandonada, era bastante confortável, tinha daquelas coisas de esferovite que parecem as hóstias dos restaurantes chineses.

Dediquei-me à minha formação, assaltava os contentores que traziam os volumes da enciclopédia "Britannica" que as Selecções do Reader's Digest vendiam e devorava volume atrás de volume. Os volumes de E a F e de P a Q, sabem bem melhor quando acompanhados de um tinto alentejano.

Fiquei por lá até ao dia em que um funcionário mais zeloso da alfândega, reencaminhou a minha caixa de cartão para a secção de perdidos e achados da PSP e depois desconfiando tratar-se de droga enviaram-me para os armazéns da PJ para análise.

Até que um dia, debaixo do microscópio dos laboratórios da Judiciária descobriram o que andavam à procura há anos e anos, sem saber que o procuravam... o gene de um "verdadeiro inspector da judiciária".

Pasmados, nem me fizeram perguntas. Deram-me um distintivo, uma arma, um sobretudo, chapéu e gravata e colocaram-me na mão um monte de senhas para o refeitório.

P'los corredores da Gomes Freire ecoava: "Ele chegou!!! Ele chegou, o Prometido chegou!"

Casos anteriores resolvidos:
O Massacre dos 7 Pães de Kilo
Homicídio na A5
Os Desenxabidos Neo-Nazis

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