quarta-feira, 7 de setembro de 2005

O Caramelizado Inspector Rôla e a Estranha Morte do Burro nas Couves

Poucas são as coisas que me irritam mais do que ser interrompido no meu pequeno almoço dos campeões: uma sandes de couratos e uma “mine”. Bem talvez me irrite mais gajas peludas... ou as derrotas do Glorioso, a cerveja choca, um vodka tónico com muita tónica, a minha tromba frente ao espelho p’la manhã, a minha tromba sem estar frente ao espelho durante o resto do dia. Irritam-me as pessoas nos automóveis e as que andam a pé. As insónias e o dormir. E os anúncios a fraldas para crianças.

Dez da manhã, suspeita de delito na frutaria chinesa da Morais Soares. O céu está negro. Chove abundantemente. Relâmpagos rasgam o negro do céu.

O Simca 1000 azul bebé do serviço desliza como uma patinadora olímpica nos Jogos de Inverno pelo asfalto molhado.

Num ápice chego ao local da ocorrência.

Uma multidão ávida de desgraças alheias acercou-se do local. Aceno o distintivo e os colegas da PSP encarregam-se de me abrir um corredor de passagem. Caminho por entre a plebe, com um foco apontado sobre mim e ao som dos Bee Gees. Ao mesmo tempo uma ambulância parte a toda velociade para São José transportando a sexagenária chinesa proprietária da frutaria em estado de choque, cera nos ouvidos e unhas sujas.

A frutaria tresanda a frutas, leguminosas e imigrantes clandestinos idosos. Avanço em direcção ao local do acontecido, passando por entre caixas de limões, abacaxis, cebolas, pepinos, passo a mão por uma alface.

Deparo-me com uma imagem horrível. Dentro de uma caixa de couves, encontra-se deitado sobre o seu lado esquerdo um burro morto, de olhos abertos, dentes arreganhados, boca espumada, tez acinzentada, corpo rigído. Não tem quaisquer documentos consigo, apenas um velho relógio Timex.

Chegam os colegas da policia científica e o médico legista que começam a processar o corpo. Viram a vítima sobre o seu lado direito e na sua pata esquerda da frente é encontrada um seringa espetada e um garrote feito com um cinto côr-de-rosa fluorescente comprado nos ciganos.

Os agentes do laboratório aplicam a sua ciência e magias sobre a seringa, com conta-gotas, liquidos forênsicos e tirinhas de papel branco. O resultado é positivo, morte por overdose, causa: Cavalo.

Sigo rápido como um Alfa pendular para o local aonde esse tal de Cavalo foi avistado há poucos minutos: o Intendente.

Num instante; o Intendente encontra-se cercado pelas forças da autoridade com uma daquelas redomas que servem para proteger as tábuas de queijos das moscas. Um dos agentes levanta um pouco a redoma e eu entro na zona. O cheiro a queijo da Ilha é intenso.

Percorro solitário as vielas imundas do velho bairro, por entre prostitutas, toxicodependentes, ratazanas e um cão com uma perna partida, sempre com a mão assente sobre a arma pronta a disparar. Vou no encalço das evidências, um rasto de bosta de equídeo leva-me até a uma pequena tasca, junto a uma esquina.

Dirijo-me para o balcão e peço um copo de três do especial da casa, p’lo canto do olho topo o criminoso sentado numa mesa junto à retrete, lendo a crónica do Luís Delgado no DN. O animal deve ser de raça e tem o olfacto apurado, e adivinha os meus intentos.

Num movimento repentino, levanta-se derrubando a mesa e atira-me a sua Green, desvio-me no momento exacto, saco da arma e disparo certeiro um album inteiro do Frei Hermano da Câmara que o atinge no estômago. Cavalo ficado prostrado no frio chão da retrete, junto ao lavatório esvaíndo-se em sangue. Até ao seu último suspiro.

Peço um maço de Filtro, um outro copo de três, pago a conta e deixo um euro de gorjeta, p’lo incómdo. Vou almoçar, tenho fome. Iscas com elas.

Inspector: A Génese
Casos anteriores resolvidos:
O Massacre dos 7 Pães de Kilo
Homicídio na A5
Os Desenxabidos Neo-Nazis

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