sexta-feira, 21 de outubro de 2005

O Hipnótico Inspector Rôla e o Homicídio à Hora Certa

Praga, República Checa. Seis e pouco da tarde. Apesar de estar um frio cortante, como a lâmina de uma daquelas facas que até cortam pregos e solas de sapato, este final de tarde Outonal está bastante aprazivél.

Nada como estar bem agasalhado enquanto tomo uma bela Krusovice e como uma sandocha na esplanada ao lado da loja da Mango e defronte à saída da estção de metro de Mustek, junto à Venceslau. A Krusovice é sem dúvida alguma uma das melhores cervejas do mundo, se bem que esta que me foi servida trazia “brinde”, uma jangada à deriva com refugiados cubanos boiava na minha cerveja. “A cavalo dado não se olha o dente”. Sorvo de um só gole os nove cubanos e a sua jangada feita de bidons de diesel e paus de gelado da Olá. Gosto dos cubanos, são simpáticos e saborosos.

Regresso a Portugal, via Praga depois de ter estado ao serviço da EUROPOL, no caso do sequestro do Tampo de Sanita do 811 do Hotel Kiev em Bratislava. Infelizmente e apesar dos meus melhores esforços, o Tampo de Sanita foi encontrado morto na margem esquerda do Danúbio e o resgate que havia sido pago não foi recuperado. Um milhão de WC Patos. Dos azuis.

Confesso-me desiludido com o desfecho deste caso, uma serie de sequestros que tem assolado toda a Europa nos últimos cinco anos, que começou com o sequestro do Suporte de Toalha de Banho do 307 do Sheraton de Munique, tendo eu me envolvido neste caso de crime internacional aquando do rapto da Saboneteira do 416 do Hotel Algarve na Praia da Rocha ocorrido há dois anos atrás.

Termino a cerveja e preparo-me para pedir outra. Sete horas da noite. Dois tiros ecoam no ar. A multidão de regresso a casa depois de mais um dia trabalho, detêm o seu passo apressado. Alguns agentes da Policie dirigem-se numa correria desenfreada em direcção à Praça Velha, a Staromestka Namesti que se situa ali perto. Sigo-os.

Qual gazela salto por cima do mendigo sem pernas, mais hábil que um juiz num bar de alterne em Bragança evito as prostitutas baixas, gordas e desdentadas que assediam os trauseuntes e mais à frente recolho dois ou três flyers das strip joints locais: “isto merece ser investigado!”. Chego à Praça Velha, hordas de turistas nipónicos, germânicos e americanos encontram-se em estado de choque em virtude do crime hediondo que acabaram de presenciar.

Batiam as sete da tarde e como costume dos últimos secúlos, à passagem da hora certa os apóstolos surgiram em procissão no Relógio Astronómico da Staromestka, mas desta vez algo se passou, em vez de os apóstolos recolherem pacatamente ao interior das engrenagens do relógio, à passagem de Judas Iscariótes, que seguia no meio da procissão, o grupo estancou a passada cercando Judas e após uma breve troca de insultos e provocações, precipitou-se sobre este e espancou-o violentamente. Não obstante o facto de Judas já se encontrar inanimado no chão, estes ainda continuaram a agredí-lo com pontapés, muitos dos quais na cabeça.

Ainda não contentes com o sucedido Pedro e João, aparentemente os lideres do grupo decidem lançar o corpo já cadáver de Judas sobre a multidão que assistia a tudo estupefacta. Judas caiu sobre a testa de uma turista japonesa tendo-lhe aberto um sobrolho. A turista desmaiou e Judas resvalou para dentro de uma sarjeta e foi arrastado para as águas frias do Moldava, nunca tendo o seu corpo sido encontrado.

A turba assassina rapidamente dispersou e barricou-se dentro das rodas e rodinhas da engrenagem do relógio.

Dispersada a multidão e montado um perimetro de segurança, que obrigou ao encerramento da Staromestka, foram chamadas as forças especiais checas e iniciadas as negociações tendo em vista a rendição do grupo.

Pelas nove da noite o grupo de apóstolos assassinos fazem as suas exigências, anunciando de que estas não forem cumpridas se suicidarão e farão explodir o relógio ex-libris da cidade através da detonação de vários isqueiros descartáveis e caixas de fósforos que foram recolhendo ao longo dos últimos anos.

“Lista de exigências dos apóstolos:

- 6 pizzas familiares: cinco pizzas quatro estações e uma com anchovas e alcaparras;
- 2 grades de Budweiser, da checa e não da americana;
- 3 garrafas de Schnaps de pessêgo;
- 1 caixa de Panasorbe;
- 2 strippers para um show lésbico;
- 1 Swatch “Manoel de Oliveira”;
- e 1 autocarro de uma empresa de transportes de Viana do Castelo para os levar para destino desconhecido.”

A polícia checa acede às exigências do grupo. O autocarro parte de Viana às duas da manhã. O Swatch “Manoel de Oliveira” é que torna a situação mais complicada, deverá demorar cerca de 9 anos a chegar, mais ano menos ano.

Ofereço-me para intervir, ao que as autoridades checas anuem.

Subo por um escadote em direcção relógio com as duas strippers às costas e a caixa de Panasorbe no bolso da gabardine. Os comes e bebes ainda vão demorar mais um pouco.

Entro por uma das portinholas do mostrador do relógio, passo por uma roda dentada grande e por outras mais pequenas. Uma das strippers fica com um dos mamilos entalados entre duas das rodas dentadas e fica para trás, a outra perde-se no escuro e é comida por uma ratazana. A caixa de Panasorbe aterrorizada, salta do meu bolso e foge.

Pouco depois dou por mim cercado pelos apóstolos armados com palitos, pedaços de papel higiénico e um persevativo usado, estou em clara desvantagem. Onze para um.

Tento entabular conversa com eles num aramaíco bastante razoável – obrigado Mel Gibson – mas Lucas espicaça-me com um palito, obrigando-me a repensar a estratégia. Decido passar à ofensiva e dar uma de árbitro arguido no caso do “Apito Dourado”, saco das cartolinas amarela e vermelha que trago sempre comigo e dou vermelho directo a Pedro e a João por entrada dura e desnecessária sobre Judas e vermelho directo a Lucas por tentativa de agressão sobre a minha pessoa.

Oito para um. Duplo amarelo para Paulo e Mateus por contestarem as minhas decisões.

Seis para um. Tomé nem quer acreditar. Cinco apóstolos expulsos, a barricada tem que terminar. Cabisbaixos os apóstolos entregam-se às autoridades. "Haverá lugar a sumaríssimos?"

Esta tamanha tragédia aconteceu porque Judas que tinha sido o escolhido para as compras semanais no supermercado trouxe iogurtes naturais açucarados em vez dos sem açucar e como toda a gente sabe Tiago é diabético, e amante de Pedro. E de João. E de Paulo, Mateus, Lucas e dos outros todos. Excepto Tomé. Tomé nem acredita!

A noite já vai longa, tenho avião para Lisboa de manhã cedo.

Jogo a mão ao bolso para tirar o maço de tabaco, com ele vem um flyer de uma espelunca de strip. “Isto merece ser investigado.”

Casos anteriores resolvidos:
01 - O Massacre dos 7 Pães de Kilo
02 - Homicídio na A5
03 - Os Desenxabidos Neo-Nazis
04 - A Génese
05 - Burro nas Couves

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