terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

And the Oscar goes to...

Em todo o lado se lê que Martin Scorcese ganhou finalmente um Óscar, mas com um filme que não merece. Este "mas" é que me incomoda, para mim o Scorcese podia ter ganho até com o Desaparecido em Combate se numa realidade absurda o tivesse realizado, o que importa, de facto, é que finalmente resolveram distinguir o trabalho de um dos maiores realizadores de sempre. Se os critérios de avaliação, a importância ou timming das escolhas da Academia podem ser questionáveis, não nos podemos esquecer que para quem trabalha na indústria cinematográfica americana os Óscares são realmente importantes.

Devemos por isso ver esta consagração pelo ponto de vista de Scorcese. Alguém que como ele faz parte da máquina gigantesca de Hollywood, espera que o seu trabalho seja distinguido, talvez um punhado de realizadores independentes se esteja completamente a borrifar para os prémios, mas Scorcese é um realizador comercial e como tal há muito que esperava que o seu trabalho fosse recompensado. Ao perguntar aos amigos Spielberg, Lucas e Coppola se não queriam confirmar o nome no envelope mostrou de forma sarcástica o que realmente pensava.

Deveria sem dúvida ter ganho com o Raging Bull e Goodfellas, duas obras primas absolutas do cinema, mas foi com uma obra dita menor que acabou por ganhar. Mas o que é isso de uma obra menor, é óbvio que Scorcese não vê o seu último filme como tal, é de certeza o filme que pensou e quis fazer, talvez com menos liberdade criativa, talvez com mais pressões dos estúdios, não se sabe, isso são sempre factores inerentes a um processo criativo com objectivos comerciais mas no fim o trabalho feito é sempre uma vitória profissional e pessoal e por isso merecedor como qualquer outro de um prémio destes. Este é o único ponto de vista que interessa.

De salientar, ainda, nesta cerimónia a homenagem a Ennio Morricone um dos maiores compositores para cinema de sempre e o óscar para Gustavo Santaolalla pela banda sonora de Babel, depois de em 2006 ter ganho na mesma categoria com a banda sonora do Brokeback Mountain. Não vi o Babel, mas a banda sonora do Brokeback e a do filme Motorcycle Diaries que podia muito bem ter sido nomeada em 2005 são, sem dúvida, das melhores dos últimos anos. Embora o cinema seja essencialmente uma linguagem de imagens estes dois excelentes compositores demonstram que uma boa banda sonora é tão, ou por vezes mais, inesquecível que a experiência visual.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

A verdadeira Musiquinha de Ir ao Rabo

Klaus Harmony, The Mozart of Porn.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Zeca

Andava a dar uma volta nuns blogues e deparei com um que tem um nome vagamente militarista e um link para a Revista Atlântico, não sei se estão a ver o estilo. E qual era o assunto do dia? Zeca Afonso, o folclore à sua volta e a sua suposta falta de qualidade.
É bem giro eu lembrar-me do 20º aniversário da morte de Zeca Afonso através de um blog de direita, o que se calhar até atesta bem da relevância do artista em causa. Alguns dos comentadores admitem que não entendem grande coisa da sua música. Talvez pela ausência dos refrões à Celine Dion?........
O autor da posta, um tipo com três nomes que escreve como se fosse o maior e toda a gente o conhecesse (a minha cultura de esquerda gera certas insuficiências, admito-o), gastou as pontas dos dedos a escrever sobre alguém que considera irrelevante.
E ainda bem.

José Afonso foi o artista português mais marcante na música popular portuguesa do século XX. Se calhar isso não chega, porque era comuna.
A sua obra inspirou praticamente todos os músicos de qualidade de hoje em dia, que andam por aí a tentar fazer alguma coisa pela música portuguesa. Pegando nas raízes tradicionais portuguesas, juntando toques africanos e arranjos simples mas por vezes revolucionários, ajudou a mudar por completo tudo o que se fazia até então.
E, para além disso, lutou pela liberdade, através da música, da cidadania, do seu exemplo.
Já lá vão 20 anos, Zeca.
E temos saudades tuas.
O cowboy nerd

Correia de Campos, o ministro da Saúde (acho que era este o cargo quando ele entrou, agora já não sei), anda armado em cowboy. Esse tótó já faz ameaças a torto e a dinheiro, na missão da sua vida que é deixar todos os cidadãos a mais de 250 metros de Lisboa sem assistência médica.
O tipo tem um plano, com o fantástico nome de Requalificação das Urgências.
Quando a gente ouve falar de requalificação, pensa que é uma operação para dar mais qualidade a qualquer coisa, não é? Pois, mas isso era dantes.
Na prática, esta "requalificação" significa fechar. Fechar tudo e depressa.
Felizmente, neste país ainda há quem proteste contra o que entende estar errado, e umas centenas de pessoas manifestaram-se esta semana. Aparentemente, a manif foi liderada pelo presidente da câmara de Chaves, que para Correia de Campos não tem legitimidade sequer para falar, porque é do PSD (se calhar o código penal mudou e isso passou a ser crime, já admito tudo).
Mais, o Xôr Ministro teve o desplante de, em conferência de impresa, ameaçar o dito autarca, dizendo várias coisas, naquele seu jeito tecnocrata de pacotilha:

1 - a manifestação "perturbou a ordem pública e a livre circulação dos cidadãos"

2 - a iniciativa, gravíssima, "interrompeu as negociações que o Ministério da Saúde estava a desenvolver".


Mas, qual Chuck Norris de oculinhos, Correia de Campos logo endureceu a linguagem, dizendo que o autarca "tornou a sua própria vida mais difícil" ao "contribuir para a movimentação" contra o fecho das urgências naquela cidade. Mais, nas alterações que o ministério está a estudar com os municípios, o Governo "olhará de forma diferente para este caso", devido ao endurecimento dos protestos durante o processo negocial.

Bem, ganda pinta.

Correia Chuck Norris de Campos explica assim que o povo de Chaves será, basicamente, prejudicado, porque o seu principal autarca quis fazer uma manifestação. A preocupação do governante não é, como é absolutamente evidente, dar bons cuidados a toda a gente, mas sim castigar quem levanta cabelo. Quanto à população de Chaves, bem, para a próxima escolham um presidente da câmara mais mansinho.
O tocador de lira

Sim, o nosso amigo Carmona.
A táctica do PSD tem sido bastante básica, já para não dizer velha. Deixam a coisa ficar feia e, depois, no último momento, sacrificam um peão insignificante para apaziguar a opinião pública. Foi assim com a vereadora do urbanismo, responsável por grande parte da merda que se tem feito em Lisboa (para não falar dos problemas da habitação, o grande cancro da cidade e que a senhora nem tentou resolver); depois a coisa aqueceu outra vez, e lá foi o Fontão de Carvalho. Este, o arguido que já o era mas que não o disse porque ninguém lhe perguntou (!!!), fez uma figura fantástica. Ainda por cima conseguiu enterrar ainda mais o Carmona, já que revelou que também este já sabia há muito que ele era arguido, mas que não considerou relevante comunicá-lo, nem sequer aos restantes vereadores. Muito interessante.
E lá foi o Fontão, obrigado a humilhar-se publicamente um dia depois de se ter feito de forte. Depois de um puxão de orelhas do PSD, este vereador que até é independente (?!), lá deu corda aos sapatos.
Quanto ao Carmona, está agarrado à cadeira que nem uma lapa. Saem dois, no problem, ele assume os pelouros. Resta saber quem vai ficar com todos os pelouros quando também ele for implicado, o que é apenas uma questão de tempo. Delegará em quem? Na Maria José Nogueira Pinto, que incrivelmente até consegue ter um ar respeitável ao pé do Carmona? No porteiro? No periquito?
Não sabemos. Mas sabemos que o PSD tudo suportará para não perder a câmara mais importante do país.
Entretanto, no meio destes jogos palacianos, Carmona e a oposição andam pseudo-zangados, mas ninguém se quer chegar à frente.
Lisboa arde, enquanto os senhores tocam lira.
Devem ser empregos bem pagos, realmente.......
Jardim

Ora então o Alberto João vai-se embora, né? Finalmente! Ah, não? Não vai? Então para que é que se demitiu?!
Ah, ok, por nada.
Assim já percebo.
É giro como um gajo que está sempre a chorar porque quer mais dinheiro se lembrou agora de fazer umas eleições-fantasma em que se gastarão mais uns milhares de euros do dinheiro das pessoas da Madeira e, já agora, também daquele que nós descontamos para alimentar as suas parvoíces.
Ele diz que, com a mudança da lei das finanças regionais, não tem dinheiro para fazer aquilo que estava no seu programa de Governo (como se na Madeira o que está escrito no programa influenciasse o voto seja de quem for, mas enfim). No entanto, vai recandidatar-se, ou seja, tem a certeza de que conseguirá governar o oceânico calhau com menos dinheiro.
Só peço aos madeirenses é que votem todos no Alberto João. Aumentem a sua maioria. Vamos, todos juntos!
Neste caso, realmente, cada um tem aquilo que merece (excepto os madeirenses que têm mais de meio neurónio, que já se deviam ter ido embora dali).

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

EPUL do Lobo!!!

E agora Sô Carmona???

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Deus Castiga!!!

Deus anda desleixado, mas não dorme. Ontem a plebe herege votou "Sim" a favor do aborto.

Hoje de manhã um tremor de terra.

E ainda não é meio-dia sequer.
Segunda tentativa de um rescaldo em cima da hora (depois de o meu computador se ter desligado – Ouviste João?! Tens que vir arranjar esta merda!!!)

Qual CNN qual SIC Notícias, rescaldo em cima da hora é no sempre fabuloso Vodka Atónito.
Vamos por partes, começando pelo mais importante.

1 – O Sim ganhou. Pronto. A lei será alterada e, em grande parte, acabaremos com uma desigualdade importante. Todas as mulheres, e não apenas as ricas, poderão abortar em condições de higiene e segurança, até às 10 semanas de gravidez. É isto que está em causa, e não é pouco.

2 – Em termos partidários, é naturalmente uma vitória para o PCP, para o BE e para o PS, visto que estava no seu programa eleitoral (pois, desta eles não se esqueceram, vá lá). Sócrates, principalmente, ficará grato por esta vitória, que lhe dá um balão de oxigénio em termos de opinião pública, e um argumento para fingir que, ao contrário de tudo o que está a provar, ainda é de Esquerda. Estou curioso para ver qual a bandeira que o BE vai arranjar agora, tendo em atenção o deserto de ideias que por ali tem grassado.

3 – O país continua absolutamente dividido, ainda que a Direita continue, lentamente, a perder terreno. Norte e Regiões Autónomas foram coutadas do Não. É um fenómeno indiscutível, que pode ter várias leituras, e que explica muita coisa.

4 – A vitória do Sim é apenas o princípio. A parte difícil vem agora, na forma de uma regulamentação eficaz e da preparação do nosso Sistema Nacional de Saúde. Veremos o que faz o nosso querido Governo, que tanto empenho tem demonstrado em destruir quaisquer possibilidades de um cidadão português ter cuidados de qualidade pagos através dos seus impostos.

5 – Apesar da mudança da lei, é absolutamente fundamental que seja criada uma verdadeira e efectiva rede de apoios às futuras mães que, passando necessidades, optem por ficar com os seus filhos. Esta é uma responsabilidade da qual o Estado não se pode demitir, e cabe a todos os bem intencionados desta campanha, de um lado e do outro, exigir estas medidas por parte de quem nos Governa. Porque também isso é a luta pela igualdade de oportunidades, que determina depois a liberdade de escolha, livre.

6 – O estado dos nossos cadernos eleitorais é deplorável. Estima-se que mais de 5% dos inscritos já morreram ou votam noutro país. Neste referendo, isso poderia fazer a diferença entre ser vinculativo ou não. De qualquer das formas, é sempre grave, e um sério sintoma de terceiro mundismo. Pagamos impostos, pagamos a 700 mil funcionários públicos, e para quê?

7 – O nível da abstenção foi, para mim, o verdadeiro facto político desta fantochada a que se chamou de referendo. É uma hipocrisia brutal os partidos (quase todos) que fizeram uma grande vitória pelo facto de mais gente ter ido votar do que há oito anos. Era mais que óbvio que isso aconteceria. O nível de abstenção continuou a ser, para mim enquanto cidadão, uma vergonha. Mais de quatro milhões de eleitores não foi votar. Não mexeram o cu para desempenhar essa difícil tarefa de fazer uma cruzinha. Da última vez era porque estava sol, e a malta foi toda para a praia. Desta estava de chuva, então foi tudo para o centro comercial, comprar dvd’s do Noddy e passear o fato de treino. Este povo, que é o nosso, foi o mesmo que fez a revolução, que andou em cima de tanques e a ocupar latifúndios, e agora é esta merda. Queixam-se muito, os políticos são todos uma merda, mas depois só querem é saber da sua prestaçãozinha Cofidis de ascensão à burguesia. Puta que pariu todos esses gajos. Espero que seja introduzido já o voto electrónico, para acabar de vez com a merda das desculpas, mas acho que nem assim lá vamos. Se calhar é mesmo verdade, a malta gosta de viver na merda. Desde que a merda tenha ecrã plano e possamos ir passar 15 dias ao Algarve.

8 – O referendo morreu. A instituição chamada referendo morreu. Por um lado, mais de metade das pessoas não apareceu, nem neste nem nos outros. Nós não queremos participar, não queremos decidir. Queremos que os outros decidam, que a gente a seguir diz mal, ok? Por outro lado, só a existência deste segundo referendo mostra que ninguém acredita neste instrumento, só serve para pseudo-legitimar uma decisão política que quem está no poder não quer assumir. O assunto foi referendado, e só voltou agora às urnas porque quem está agora no poder não gostou da resposta. O argumento foi que o primeiro não tinha sido vinculativo, mas este tão pouco o é. E então? Vamos ser coerentes e voltar a fazer um referendo, sobre o mesmo assunto, daqui a oito anos? É a mesma coisa que a consulta da Constituição Europeia, em alguns países: falhou, espera-se um pouco e pergunta-se outra vez, até ouvirmos a resposta que queremos ouvir. Isto só mostra que o referendo não serve para nada e mais, que o próprio povo não o quer, não tem nele qualquer interesse.
Como tal, deixem de gastar o nosso tempo e o nosso dinheiro inutilmente.
Abriria uma excepção para a liberalização da drogas leves. Aliás, deixo aqui a sugestão ao BE. Afinal vocês vão precisar de falar de alguma coisa até ao fim da legislatura, certo?

Viva a liberdade e esta merda de povo que somos.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

O meu voto

Depois do meu último post, que provocou reacções acesas por parte de alguns amigos, voltei a pensar com afinco no assunto agora em referendo.

Como dizia, pude confirmar algumas reacções. Acusações de pretensioso, defensor do não, retrógrado, hipócrita, burguês, enfim, o chorrilho habitual a que a nossa esquerda, infelizmente ainda bastante estalinista, já nos habituou.
A mais curiosa reacção de todas veio de um bom amigo, o saudoso O Zé, que me acusou de ser pretensioso, por ter expressado publicamente a minha opinião. Ora, as opiniões são como o olho do cu, cada um tem a sua. Pretensioso seria eu pensar que a minha opinião, publicada no mais fantástico blog do mundo mas ainda desconhecido do mundo exterior, teria qualquer efeito relevante no sentido de voto de quem quer que fosse. Ao contrário da Direita e de muita Esquerda, eu não sou um evangelizador. Não pretendo necessariamente mudar as ideias seja de quem for. Limitei-me a dar a minha opinião, aliás, uma não opinião, a solitária expressão de uma séria dúvida numa questão que parece cheia de certezas.
Foi-me dito depois que não fazia mal eu dar a minha opinião, mas que só a devia partilhar depois das eleições. Tal como expliquei, isso torna-la-ia completamente irrelevante. E, sobretudo, recuso a ceder a estes esquemas tacticistas, de que devemos censurar uma opinião, mesmo que apenas nossa, em favor de um suposto bem maior, neste caso a vitória do SIM.
Eu prezo muito a liberdade intelectual, sobretudo a minha. Não pertenço nem nunca pertenci a qualquer partido, na minha vida inteira votei em três partidos diferentes (PC, BE e PCTP) mas não estou preso, muito menos intelectualmente, a qualquer um deles.
Limitei-me a expressar dúvidas, na tentativa talvez de ajudar as pessoas a pensar, e também a mim, já que desesperava por uma decisão, sem a conseguir tomar com segurança.
As ideias ainda são livres.
Não fui pretensioso, mal intencionado ou qualquer outra coisa. Contribui para o debate, inclusivamente em relação aos amigos que me acusaram de tudo isto.
Qualquer decisão deve ser fruto de uma ponderação a todos os níveis. Abafar a discussão para que dela não nasçam dúvidas - eventualmente pondo em risco o fim que pretendemos - é censura, e é tratar o povo como estúpido. Isso sim, é pretensioso, para além de fascista.

Vamos agora ao voto.

Tal como há oito anos, votarei sim.
No post anterior expliquei todas as minhas dúvidas, e mantenho a esmagadora maioria delas. E a razão, em última análise, é bem simples. Não consigo ter uma noção de quando já existe um ser humano, e a despenalização do aborto deixaria desprotegido, ainda que apenas legalmente, um ser indefeso e sem voz. Apenas legalmente, porque abortos sempre existirão.
E isto leva-me aos motivos pelo qual votarei sim.
Porque seria hipócrita não o fazer, eu não o fazer. Como disse, se me visse nessa situação, recorreria ao aborto, e seria um daqueles que iria a Espanha. Se eu, pessoalmente, tenho esta posição, não devo obrigar aqueles menos favorecidos que eu a recorrerem ao aborto de vão de escada. O voto em branco poderia ser honesto intelectualmente, se há mais dúvidas que certezas, mas neste caso equivaleria a um rotundo Não. Seria um voto pela manutenção do status quo, e toda a gente já percebeu que isto como está não pode continuar.
E, voto sim sobretudo porque do outro lado está uma multidão de padrecos, beatas, betos, fascistas e, sobretudo, as irmãs Brito e Cunha. Perante isto, devo admitir que a minha decisão se tornou bastante mais fácil.

Mas a forma completamente maniqueísta como toda a gente parece encarar este assunto não pode ser esquecida. Tendo este assunto sido tratado com irresponsabilidade, ligeireza e até desrespeito pelo direito de cada um à sua opinião, espero que de tudo isto resulte, efectivamente, um mal menor.

Votarei sim e espero que isto se resolva.
Ah, e não me voltem a chatear com referendos, já agora.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

EU NÃO SEI

Estamos a pouco tempo do referendo (mais um) acerca da despenalização do aborto. E eu não sei como votar.
Para um tipo de esquerda que deseja que os direitas percam sempre nem que seja à macaca, é lixado. Tenho tentado convencer-me de que esta questão se pode, em última análise, resumir à dicotomia esquerda/direita, em termos de como um indivíduo se posiciona perante a sociedade. Mas não consegui. E, na verdade, não sei como votar.
Em primeiro lugar, há a questão do próprio referendo. Já houve um, estão lembrados. E o não ganhou. Pode discutir-se se foi ou não vinculativo, mas isso não passa de uma tecnicalidade. Não foi votar quem não quis. Estamos numa pseudo-democracia, como tal é costume respeitar-se a opinião expressa da maioria. Eu, que fiquei lixado com o resultado da consulta de então, aleguei a fraca participação, a forte movimentação dos padrecos e todos os velhos que moram acima do Mondego. Mas acho que isto não é mais que uma tendência de superioridade mental com que a esquerda continua a olhar o resto do país. Achamos que temos razão, sabemos (!!!) que temos razão, os outros estão todos errados, como tal tem de haver maneira de mudar a decisão. Não é?
A própria realização deste novo referendo me parece dúbia. Foi há uns anos, (oito, dez, não me lembro), o que é um grão de poeira num contexto alargado e, em termos históricos numa decisão desta importância, de uma completa insignificância. Mas aí estamos com nova consulta. E porquê? Apenas porque a decisão desagradou. Alguém acha que estaríamos agora a fazer um novo referendo se tivesse ganho o sim? Mesmo que não fosse “vinculativo”? É óbvio que não. Este referendo é uma falta de respeito para com todos, tal como eu, que foram votar nesse referendo. Andámos a brincar?
Pela mesma ordem de razões, se o sim ganhar agora e daqui a uns anos o PSD chegar ao poder - e todos sabemos que isso vai acontecer – será legítimo que se convoque novo referendo, para então dar uma nova oportunidade ao não? Não me parece.
Há quem defenda, inclusivamente muitos amigos meus, que o PS, com a sua maioria absoluta, devia resolver a questão por via legislativa do parlamento, sem nova consulta popular. Mais uma vez, não concordo, e igualmente pelos mesmos motivos. Não se pode perguntar uma coisa em referendo e, se não se gostar da resposta, ignorá-la e decidir unilateralmente em sentido contrário. Isso é a negação da democracia.
Vamos agora aos argumentos em disputa.
O Não sofre de um problema de raiz. É suportado por ricos que pagam a clínicas espanholas para fazerem abortos nas suas filhas de colégio interno. Carecem de legitimidade para falar, uma vez que o aborto clandestino nunca foi ou será para eles uma questão com a qual se depararão. Isto parece-me evidente. Depois, misturam conceitos religiosos que não são para aqui chamados, num Estado supostamente laico. Para além disso, estes (pre) conceitos geram-me uma urticária indisfarçável e apetece-me começar a queimar bíblias à saída da missa.
Por outro lado, a prática mostrou que ninguém ganhou com a decisão do anterior referendo. Os defensores do Não fizeram, então, grandes discursos acerca de apoios à natalidade, sobretudo às mães com menos poder económico. Mas, na verdade, entra pelos olhos dentro que nada foi feito nesse sentido, e esses senhores calaram-se entretanto. Esqueceram-se, estranhamente (?), das pobres vítimas que juraram defender, em nome da santa natalidade. Esse discurso voltou agora, e eu concordo inteiramente com ele. O nosso Estado devia apoiar essas mães e essas crianças, mas todos sabemos que isso não vai acontecer. Ou seja, se o Não ganhar, tudo vai ficar na mesma. Este exército de tias bem intencionadas mete a viola no saco e, de consciência satisfeita por terem defendido A VIDA, continuam a ir a Badajoz e a ignorar olimpicamente os pé-rapados que têm de recorrer às abortadeiras clandestinas. E, verdade seja dita, as tias e os tios estão-se bem cagando para eles. São sujos, estúpidos, e metem-lhes impressão. Excepto em alturas de campanha, como é óbvio.
Quanto aos argumentos do sim, aqui a porca torce o rabo. Não sigo qualquer partido, embora nunca tenha votado à direita do PC, mas custa-me ver as figuras completamente demagógicas, e até impensadas, que a minha “tribo” tem vindo a fazer.
Para mim, é relativamente irrelevante o momento em que se pode dizer que existe um ser humano. Pôr um fim a um feto saudável e que em condições normais redundaria num ser humano, é matar esse ser humano. É indiferente saber se é às 10 ou 20 semanas. Mais uma vez, é uma questão técnica que nem os técnicos – os médicos – conseguem resolver. Mas a conclusão é, para mim, clara. É claro que as consequências – os traumas para a mãe, os riscos para a sua saúde, etc – são diferentes consoante o tempo da gravidez, mas não para o feto. Dito isto, tenho que admitir que não hesitaria em incentivar a minha companheira (em abstracto e por falta de um termo melhor) a fazer um aborto se uma gravidez surgisse numa má altura ou fosse fruto de uma relação ocasional da qual nenhum de nós gostaria que resultasse uma criança. Se o fizesse cedo na gravidez, seria mais fácil fingir que não fôra nada, apenas uma operação como arrancar um dente; mas, no fundamental, seria mais profundo que isso. Fá-lo-ia, mas não cedo à tentação fácil de descartar completamente a importância dessa decisão.
Um dos slogans do SIM prende-se com a “humilhação” e a “vergonha” das mulheres que são julgadas por praticarem um aborto clandestino. Em primeiro lugar, esta prática é, actualmente, um crime. É a mesma coisa que queixarem-se da humilhação de um ladrão que é julgado por roubar ou um político por ser corrupto. A lei é conhecida de todos.
Em segundo lugar, para além de meia dúzia de julgamentos altamente mediatizados, poucos exemplos existem de casos desses que chegam a tribunal (para além do facto de essa “vergonha” e essa “humilhação” derivarem do circo mediático, quase sempre arregimentado pelos defensores do SIM, que acabam por gerar esse efeito perverso).
Em terceiro lugar, estamos aqui a falar da decisão acerca de permitir que um ser humano nasça, ou não. É algo da mais fundamental importância e, perante esta questão, a “vergonha” e a “humilhação” parecem-me, muito francamente, questões de somenos.
Depois, há a questão do próprio prazo, que a esquerda tem tentado escamotear. Com base em todos os argumentos do SIM, as mulheres não devem ser julgadas. Muito bem. Mas a proposta a submeter à votação fala do aborto até às 10 semanas. E se a mulher abortar clandestinamente às 10 semanas e dois dias? Na prática, a esquerda defende uma lei que mantém a penalização a quem pratique o aborto fora desse prazo (com base em teses técnicas bastante ténues). E a "humilhação" e a "vergonha" das mulheres que fazem um aborto para lá desse prazo burocrático e que por isso serão julgadas? Aí já não é problemática a "vergonha", a "humilhação"?
Falemos então do direito da mulher em fazer do seu corpo o que muito bem entender. É um facto. Será? De facto, a mulher tem o direito de fazer o que bem entender, como o simples facto de correr o risco de engravidar. É lixado, elas são desenhadas dessa forma.
Tem o direito de se proteger ou não, tal como tem todo o direito (o dever, até), de praticar sexo, sabendo que não há nenhum método infalível que evite a concepção. Depois, há uma questão muito interessante, que é a proposta de alteração de lei prever que a mulher decida o que fazer do seu corpo, até às 10 semanas de gravidez, de forma unilateral. Ou seja, o homem, o pai, não racha lenha. Mesmo o marido mais extremoso, que apoia a mulher qualquer que seja a sua decisão, não tem qualquer palavra a dizer. É um dador de esperma, apenas isso. A partir daí, da sua deliciosa doação, não tem nada a ver com o que se passa com aquilo que, querendo ou não, criou em conjunto com a mulher. É interessante ver a esquerda, tão defensora da igualdade dos sexos e da participação do pai em tudo o que rodeia a vida familiar, defender esta coisa espantosa de o progenitor, seja qual for a sua situação face à mulher, não ter absolutamente nada a ver com a situação.
Depois há ainda questão económica, que é algo de que até repugna falar num assunto como este. Mas já que estou a desiludir todos os meus amigos e até a indignar alguns, vamos em frente.
O país sofre de um problema de natalidade. Se vamos ser tão materialistas nesta questão (se o feto não é nada a não ser um quistozito a ser retirado) então sejamo-lo até ao fim, de forma coerente. Fazem falta criancinhas. Para bulir, para serem explorados como os pais, o que quiserem, mas essa falta existe. Por outro lado, há a questão de colocar todo o nosso já fabuloso sistema de saúde ocupado na prática destas operações, quando já não tem a capacidade para fazer face às outras necessidades (de alguém que adoeceu não por descuido, mas porque a natureza assim o decidiu).
Depois há a questão do papel do Estado. Esta é uma matéria ainda mais sensível, porque está em causa um juízo moral do Estado. Cabe-lhe dizer o que é ou não uma vida humana, se esta prática é errada em termos “ideológicos” ou apenas um facto da vida, que tem de ser “tratado”. Para mim, o papel do Estado devia ser formar os cidadãos, com investimento a sério. Contraceptivos e educação sexual gratuitos, para que não surgissem tantos milhares de gravidezes por mero desconhecimento. Apoio às grávidas e às famílias com crianças. O Estado está, pura e simplesmente, a demitir-se destas suas responsabilidades. Há crianças não desejadas? Acaba-se com elas. Não vamos atacar a raiz do problema, vamos resolver esta calamidade social (que o é).

E é por tudo isto, meus amigos, que eu não sei. Não sei o que fazer. Vejo todos estes movimentos, partidários e os outros disfarçados de apartidários, e parece-me apenas uma luta de galos ideológica. Esquerda contra direita, e vice-versa. Slogans estapafúrdios e irresponsáveis atirados para o ar, à procura de mais uma medalha para pôr ao peito. E as mulheres e os homens que vão votar (parece que neste caso ambos têm voto na matéria e este vale o mesmo) vão na cantiga. Não passam, muitos deles, de peões, de carne para canhão na guerrinha partidária.
De um ponto de vista egoísta, gostaria que ganhasse o Sim. Se tivesse um problema, resolvê-lo-ia mais facilmente e de forma mais segura. Mas o que está aqui em causa não é uma questão egoísta. É muito mais profundo que isso.
Vejo toda a gente ter uma opinião, defendê-la com unhas e dentes, com uma inconsciência atroz. Mas eu cá não sei.
Gostava de saber, mas não sei.
Sei apenas que irei votar, mas para além disso não faço ideia.

E era isto.

Mandem vir.
Trocadilho tão genial, mas tão genial que eu vou ser contratado para trabalhar n'O Jogo

A defesa do Nacional da Madeira foi completamente surpreendida pela jogada do Paulo Bento em meter aquele avançado que não marcava um golo há oito anos (e isto incluía treinos, matrecos e PES na Playstation).
Os madeirendes esperavam um Kinder Bueno mas saiu-lhes um Kinder Surpresa!!!